“A dança é a arte da liberdade”
Staner Camargo
I - O que a dança tem que ver com direito da Família?
A Família faz-se de relacionamentos, idealmente relacionamentos conscientes.
Mais do que educarmos as gerações que vêm depois de nós, seremos o exemplo.
Se conseguirmos ser o exemplo de relacionamentos saudáveis, felizes, em que existe conexão, amor e afecto, mais do que palavras, seria já um lindo legado.
Por vezes perdemo-nos no conhecimento teórico, no excesso de palavras, nos pensamentos e esquecemo-nos de sentir. Priorizamos a mente em detrimento do corpo. E muitas vezes a resposta está no nosso corpo. Simplesmente não nos ensinaram a escutá-lo, a observá-lo, a dar-lhe primazia.
Aprendi mais sobre relacionamentos no Forró do que na universidade. Não aprendemos apenas nos livros. Aprendemos quando sentimos. Aprendemos quando nos abrimos à experiência para com ela enriquecer e saber um pouco mais, sobre nós e consequentemente sobre o outro.
Por hoje ser o dia mundial da dança e por me ter trazido tanto à minha vida, especialmente nos últimos anos, decidi partilhar o que o forró me ensinou, para além dos passos.
II - O sabor da liberdade através da dança
No seguimento do texto anterior em que questionava se somos verdadeiramente livres, acredito que apesar de ainda vivermos muito presos a crenças, medos, traumas que nos limitam, existem, creio eu, a espaços, momentos em que podemos experimentar o sabor da liberdade. E será este sabor, este prazer que nos fará evoluir na busca de mais liberdade interna.
O forró é, para mim, um desses espaços: de liberdade interna.
O forró chegou até mim numa pequena comunidade de artistas na Lagoa do Paraíso, no Brasil. De regresso a Portugal quiz explorar mais sobre as sensações que dali advinham. Aprendi na prática, no relacionamento com o outro. Permitindo- se estar aberta, com humildade, a aprender, a receber.
Durante meses fui aos bailes de forró sózinha, sem conhecer ninguém, sem trocar uma palavra. Apenas para dançar, escutar a música e sentir. Chegava sempre a casa feliz, nutrida e com uma boa sensação no corpo. Sentia-me, sinto-me livre.
III - A origem do Forró
A palavra forró tem origem na palavra “forróbodó” que, por sua vez, é uma adaptação da palavra francesa “faux-bourdon”. O “faux-bourdon” pode ter dois significados: (i) uma técnica de harmonização musical de desentoação e (ii) abelhas machos que têm como única função o acasalamento.
Os forróbodós eram festas populares com uma grande animação e criatividade. Em Portugal, diz-se que estará ligado ao Conde de Farrabo por este organizar festas excêntricas e faustosas nos seus palácios.
Enquanto expressão artística e cultural, nasceu com Luiz Gonzaga no nordeste brasileiro ficando popular em 1950.
O ano passado o forró foi considerado património cultural imaterial e registado como manifestação da cultura nacional, no Brasil.
Em qualquer uma destas abordagens existem alguns denominadores comuns: celebração, alegria, conexão, movimento...e liberdade.
IV - Ensinamentos sobre relacionamentos
Partilho, de forma sumária, os ensinamentos que me trouxe esta dança à minha vida - poderá, de alguma forma, ser valiosa para mais pessoas.
1. A comunicação sem palavras é mais autentica e fluida
A comunicação com palavras vem sempre acompanhada de algum “filtro”. Muitas das vezes expressamo-nos movidos por emoções, crenças e feridas gravadas no nosso inconsciente, o que não corresponde muitas vezes à verdade daquilo que queremos verdadeiramente expressar.
Outras vezes, quando já adquirimos alguma consciência e ferramentas de comunicação, expressamo-nos usando a nossa mente e a nossa racionalidade com o intuito de descrever o que realmente se passa dentro de nós. No entanto, será sempre o resultado de um pensamento filtrado pela razão.
A comunicação através da arte, neste caso da dança, é uma comunicação que vem directamente de dentro, expressamos o nosso sentir “em directo”, sem filtros.
Assim, o que acontece numa dança é genuíno, é a energia de dois corpos a comunicarem. É, por isso, uma comunicação mais autêntica e mais fluida.
2. Podemos conectar com qualquer ser humano através do abraço
Procuramos muitas vezes nos nossos relacionamentos sentir conexão. Outras vezes reclamamos da falta dela sem conseguir encontrá-la. É difícil pôr em palavras o que é a conexão. Talvez seja um encontro de almas.
A conexão (do latim, “conectare”, i.e. atar junto, atar um ao outro) dá-se quando existe uma união de dois seres. A forma mais fácil de se conectar com o outro é através do abraço, em que os dois corações se juntam. A posição inicial do forró é o abraço. É a partir do abraço que se vai construindo a dança a dois.
Acrescento neste ponto a importância de estarmos presentes, naquela dança e naquele abraço. Para mim o forró representa uma meditação (activa) ou um mindfulness de fácil acesso. Por vezes na meditação perdemo-nos nos pensamentos e daí muitas pessoas não conseguirem meditar. No forró bastará fechar os olhos, sentir a música e sentir o abraço. Dificilmente conseguiremos pensar em algo mais. Ficamos detidos apenas no momento presente, no movimento entre os dois corpos. Quanto maior for a nossa presença, a nossa entrega aquele momento, maior será a sensação de prazer.
3. Liderar não é controlar e seguir não é entregar
No forró existe um “leader” (habitual, mas não obrigatoriamente, o Homem) e um “follower” (em regra, a Mulher). Um que comanda outro que segue, sem que exista hierarquia, sem que exista dominação, sem luta de poder.
Muitas vezes nos relacionamentos, maxime nos relacionamentos amorosos existe esta luta de poder. Ambos querem liderar, de alguma forma.
É tão bonito ver na dança o prazer das Mulheres ao deixarem-se conduzir pelo Homem. Muitas cansadas do peso da capa de Super-Mulheres que comandam tudo em casa. Da mesma forma que é bonito de ver os Homens a liderar com tanta fluidez quando não estão em competição.
Aprendi no forró, de forma muito clara que liderar não é controlar, é apenas indicar o caminho, dar o mote. Na verdade, na dança os limites são definidos pela Mulher, com subtileza e amorosidade.
Da mesma forma, seguir não é entregar, é construir junto escutando o que o outro traz. Apesar de haver um “leader” e um “follower” é um processo criativo a dois, em que ambos contribuem à sua maneira, de forma activa.
Se conseguíssemos levar um pouco desta dinâmica para os nossos relacionamentos amorosos, grande parte dos conflitos poderiam ser evitados. Teríamos muito mais prazer na dinâmica a dois em que, cada um, de forma livre, dá o seu contributo, respeitando e dando também espaço ao outro.
4. O corpo também fala. E nem tudo é do domínio da razão
Relacionado com o ponto 1 - comunicação através do corpo - é importante aprendermos a ler e a escutar o nosso corpo. Muitas vezes as respostas vêm através dele.
Na dança percebemos facilmente como interage a energia dos dois corpos. Há danças em que o corpo flui, a conexão é imediata, sentimos leveza no corpo e “grudamos” no outro. Há outras que demora mais tempo, em que talvez seja necessária mais do que uma dança para sentir conexão e fluidez, há outras em que sentimos o nosso corpo a resistir mais, os passos não encaixam. E está tudo certo, porque é assim a Natureza de tudo.
E isto é a prova que o corpo se expressa, comunica, sente e nos dá respostas. É uma ferramenta que podemos levar para a vida. Quando temos dúvidas ao nível da mente, do pensamento, bastará trazer a atenção para o corpo e perceber como ele se move nos vários cenários possíveis e teremos a resposta.
5. Somos mais que dois. Não pertencemos a ninguém, pertencemos a um todo
Vivemos numa sociedade muito apegada e estereótipos e, principalmente na nossa cultura portuguesa, vivemos um pouco fechados na nossa “bolha”, nos nossos relacionamentos.
Num baile de forró é difícil apurar se há pares em relacionamento. Todos dançam com todos. Todos colam o corpo um num outro e movimentam-se com proximidade. E a cada dança trocam-se os pares.
Não somos de uma pessoa, não é sequer suposto dançarmos apenas com uma pessoa. Reconheci em mim, através do forró, o quão as nossas crenças nos limitam em termos de interacção social.
Custou-me inicialmente perceber que podia estar de corpo e alma numa dança, com a sua sensualidade, com um Homem, despida de pré-conceitos, sem que aquele momento fosse mais do que aquilo que é, uma dança.
Comecei por encarar como um treino emocional de “ir” e “voltar”, de “ir” para junto do outro e regressar a mim. É um treino que demora o seu tempo mas extremamente eficaz depois nos relacionamentos que temos nas nossas vidas.
Apenas temos que ter consciência até onde podemos ir para conseguir voltar a nós, de forma centrada. E uma vez mais, o nosso corpo dá-nos sinais.
6. Sensibilidade, sensualidade e sexualidade
Um dos “pré-conceitos” a que me referia no ponto anterior é um dos que mais nos reprime. Geralmente associamos sensualidade como momento prévio e/ou indicador de um interesse sexual.
Acredito ser uma das maiores diferenças entre a cultura portuguesa e a cultura brasileira, geralmente mais aberta.
São três conceitos distintos e que podem ou não estar associados. Seria um tema que daria para uma dissertação autónoma e sobre os quais teria que estudar mais para falar com mais propriedade mas não queria deixar de os trazer a este texto por estarem também ligados a dança, nomeadamente ao forró.
Qualquer forma de expressão artística requer sensibilidade, a arte de sentir, de percepcionar através dos sentidos. Também a dança requer sensibilidade, para perceber o outro, para criar algo em conjunto.
A sensualidade está ligada ao prazer, ao movimento do corpo, à interacção entre duas pessoas. Poderá naturalmente despertar o interesse sexual ou não. No entanto a expressão livre da sensualidade é algo que cria energia e que estimula sensações corporais prazerosas e como tal positiva.
7. O menos é mais
Um dos ensinamentos que a vida me tem trazido, através de várias experiências e dinâmicas é que o menos é mais. Vivemos numa sociedade em que é tudo muito excessivo e acabamos por viver nos extremos do “up & down”.
Vim aprendendo, com algum custo, em apreciar a beleza do mediano, do nada, do vazio, do silêncio, das coisas simples. Para estar com uma pessoa não é preciso um grande programa, para correr não são precisos uns super tennis, para sair é só preciso caminhar.
No forró é só preciso mais uma pessoa e música/uma coluna. E, apenas com isto, podemos ter um momento de prazer que nos nutre, em que estamos em conexão com o outro, em que nos abraçamos, movemos o corpo e estimulamos boa energia. Saber uns passos ajuda, mas diria que é o menos importante.
Para nutrir um relacionamento não é preciso muito, talvez quanto menos palavras, menos apetrechos, menos expectativas mais será o sentir, a conexão e a proximidade.
8. Expressão artística a dois como estimulo da alegria e do bem estar
Já vários estudos revelam que a expressão artística reduz os níveis de cortisol e estimula a libertação de dopamina promovendo a sensação de alegria e bem estar reduzindo os níveis de stress.
A dança a pares, nomeadamente no forró, é uma expressão criativa a dois com estes mesmos efeitos - sente-se num baile de forró uma alegria que paira no ar, reflectida nos sorrisos de quem dança com alma.
Também nos relacionamentos podemos criar juntos e expressar essa criação a dois. Temos o poder de criar o que quisermos.
"Every Human is an artist. The dream of your life is to make beautiful art.” - Dom Miguel Ruiz.
Sandra Soares Abrantes
Advogada & Terapeuta
(+351) 911167954
Opmerkingen